Anulação e revisão das sentenças do tribunal do júri
O princípio da soberania dos vereditos em contraposição ao devido processo legal
Atualmente, compreende-se que o tribunal do júri constitui um artifício pelo qual se garante o exercício da cidadania e reflete a importância da democracia na sociedade. Tal juízo parte do pressuposto de que o órgão colegiado permite ao réu ser julgado por cidadãos semelhantes a ele, além de garantir a participação popular direta nos entendimentos proferidos pelo Poder Judiciário.
Ocorre que, o Poder Judiciário nos termos que se estrutura no Estado Democrático de Direito, presumivelmente é composto por magistrados independentes, autônomos e isentos, protegidos por garantias constitucionais, ao passo que a sua atuação é pública e sujeita à fiscalização da sociedade. Nesse viés, a corrente minoritária questiona a justificativa do julgamento realizado por jurados.
A despeito das questões polêmicas que tocam o alicerce justificador da existência do tribunal do júri, o enigma basilar está no resultado dos julgamentos, sobretudo considerando o princípio constitucional da soberania dos vereditos[1], principalmente em relação àquelas decisões guiadas tão somente por discursos persuasivos e convincentes, discordantes dos elementos técnicos-jurídicos processuais.
Ao antever este cenário, o legislador consagrou no art. 593 do Código de Processo Penal (inciso III) hipóteses de cabimento do recurso de apelação das decisões do tribunal do júri.[2]
Importante rememorar que a análise de qualquer recurso de apelação no que toca à decisão do Tribunal do Júri não pode se desprender da garantia constitucional da soberania dos vereditos. Ora, pretende-se, com tal disposição constitucional, impor que a apreciação do mérito das imputações do Ministério Público, cabe, primordial e privativamente, aos jurados populares.
Por outro lado, o princípio da soberania dos vereditos (art. 5°, XXXVIII, alínea c, da Constituição Federal) não confere ao corpo de jurados liberdade absoluta de julgamento, sob pena de ultrajar outra garantia constitucional, qual seja o devido processo legal (art. 5° LIV e XXXV).
Como forma de efetivar tal garantia constitucional, o Código de Processo Penal legitima o Tribunal de Justiça para anulação de julgamentos manifestamente contrários às provas dos autos, o que é feito através de uma análise técnico-jurídica pormenorizada, consoante as determinações do art. 593 (inciso II, alínea d) deste Diploma Legal.
Nesse caso, quando a apelação é fundada nesta razão e a contrariedade é reconhecida pelo Tribunal de Justiça, consequentemente a decisão proferida pelo corpo de jurados é anulada e sujeita-se o réu à um novo julgamento (art. 593, §1° do Código de Processo Penal).
Outros cenários para alteração das decisões do tribunal do júri
Existem ainda outros três cenários expostos no art. 593 em que se admite a alteração das decisões proferidas no Tribunal do Júri: quando “ocorrer nulidade posterior à pronúncia" ou “for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados” ou se porventura “houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança” (inciso II, alíneas a, b e c).
Destaca-se que o recurso de Apelação é cabível tanto em relação às sentenças penais condenatórias quanto às absolutórias. Ainda, segundo o Diploma Processual Penal, se não for interposta apelação da sentença pelo Ministério Público no prazo legal, possuem legitimidade para interpor o recurso o ofendido e todas as pessoas mencionadas no art. 31 (art. 598), com destaque ao assistente de acusação, que pode recorrer da sentença absolutória.
No cenário de eventual sentença penal condenatória transitada em julgado, é possível que se proponha ação de revisão criminal, que nos termos do art. 622 do Código de Processo Penal “poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após”.
O instrumento processual rescisório está previsto no art. 621, incisos I, II e III, do Código de Processo Penal, havendo de ser admitida “quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos”, bem como “quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos” ou mesmo “quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.”.
Quando se constatar alguma das situações acima, a revisão criminal poderá ser requerida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado. Mesmo na hipótese de morte do réu, a ação poderá ser pedida pelo seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Assim sendo, a despeito do reconhecimento do princípio da soberania dos vereditos, as decisões emanadas do Tribunal do Júri não são absolutas e irrevogáveis e podem ser submetidas à avaliação, pelo Tribunal de Justiça, acerca da existência de suporte probatório mínimo à tese acolhida pelo conselho de sentença, ou pela ocorrência das demais hipóteses apontadas no Código de Processo Penal.
[1] Art. 5º, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: c) a soberania dos veredictos;
[2] Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.