Barroso e Coelho Advocacia

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O abecedário dos crimes de corrupção no Código Penal Brasileiro

Em um país com a história do Brasil, não é surpresa que a palavra corrupção seja uma velha conhecida do povo. Mas são tantos os fatos e eventos ligados ao termo que é difícil saber empregá-lo adequadamente.

Por causa de sua área de atuação, o Advogado Criminal é sempre muito consultado sobre o conceito mais juridicamente adequado da corrupção. E o principal mal entendido, que cabe ao Advogado Criminal esclarecer, é a diferença entre os crimes geralmente englobados pela percepção leiga de corrupção.

Neste artigo, vamos explicar quais crimes do Código Penal são os mais relacionados ao conceito popular de corrupção e aprenderemos a diferenciá-los.

A origem do termo e as formas de emprego

A palavra corrupção vem o latim corrumpere, que significa “rompimento” ou “destruição” de algo. Tem o sentido de um dano severo, para ser preciso.

Na conotação político jurídica que trabalhamos aqui, esse dano é causado especificamente à administração pública. Esse é o critério que usaremos para diferenciar nosso foco, de outras acepções jurídicas do termo. Afinal, só para ilustrar com o restrito campo de trabalho do Advogado Criminal, há corrupção de menores, corrupção de medicamentos e vários outros tipos de corrupção, que não têm nada ver com aquela primeira imagem que vem à mente do cidadão, quando escuta essa palavra associada à um agente público conhecido.

Então, no sentido de um dano à administração pública, a corrupção vem representada pelos crimes que trazem alguma forma de prejuízo à gestão, ao patrimônio ou mesmo aos valores relacionados às coisas públicas.

Daí a confusão: a opinião pública coloca na mesma “gaveta” da corrupção, vários outros crimes contra as coisas públicas, mas que não correspondem aos artigos que o Código Penal optou por chamar de corrupção.

Os crimes de corrupção

A verdade é que, no Código Penal, a “corrupção mesmo”, está em apenas dois artigos: 317 e 333.

O artigo 317 fala de Corrupção Passiva. É aquela em que o funcionário público solicita, aceita promessa, ou simplesmente recebe uma vantagem indevida. Parece simples, mas envolve situações muito diversas.

Essa vantagem pode, por exemplo, ser para si mesmo ou para outra pessoa. Pode também ser solicitada sem que o funcionário esteja exercendo sua função ou antes de assumi-la. Enfim, é mesmo um artigo que pode ser aplicado em várias circunstâncias.

Por isso, o papel do Advogado Criminal em relação a esse crime inclui, também, afastar interpretações absurdas do artigo.

Mas do outro lado de quem recebe a vantagem ilícita, está a pessoa que a oferece. É o artigo 333: Corrupção Ativa. Esse indivíduo, que não precisa ser funcionário público, oferece ou promete a vantagem indevida ao funcionário. Em troca, o agente público deve praticar, não praticar, ou “demorar” na prática de um determinado ato.

Essa diferenciação entre Corrupção Ativa e Passiva ajuda em um esclarecimento importante: não são só os agentes públicos que cometem corrupção.

Um fato que surpreende a maioria das pessoas que procuram um Advogado Criminal, é que particulares também podem ser corruptos. Aliás, para sermos ainda mais técnicos, corruptores!

Outra explicação importante é a seguinte: nem o corrupto, nem o “corruptor” precisam conseguir o que querem para que o crime aconteça. Basta alguma dessas situações ocorrer e pronto! Não é necessário que ninguém tenha conseguido a vantagem pretendida.

Então é isso. Corrupção, no sentido mais técnico do Código Penal, são esses dois artigos.

Existe ainda a Corrupção Ativa em Transação Comercial internacional, do art. 337-B. Mas ele não nos interessa por ser muito específico. Tenha em mente, apenas, que tudo aquilo que falamos sobre Corrupção Ativa, vale para esse artigo também.

Outras manifestações de corrupção

Prometemos falar também de outros crimes do Código Penal, que não estão incluídos no conceito técnico de corrupção, mas fazem parte do sentido popular da palavra.

Em primeiro lugar temos o crime de concussão (art. 316). Ele se parece com a Corrupção Passiva. A diferença é que no caso da concussão, o funcionário tem uma postura mais enérgica do que na Corrupção Passiva. Ele não apenas solicita ou recebe, ele EXIGE! Essa é a palavra-chave. Em tudo mais, os artigos são praticamente idênticos.

Há também a prevaricação no artigo 319, que também se parece com a Corrupção Passiva. Mas neste caso, o funcionário não recebe nada de ninguém. Ele retarda ou deixa de praticar um ato de atribuição sua, para satisfazer um interesse próprio. Ninguém precisou “incentivá-lo” a fazer isso.

Quando o funcionário público desvia ou apropria-se de algum valor ou bem que está em sua posse em razão da função exercida, logo pensamos: “- Mais um corrupto”. Dentro do conceito popular, essa afirmativa está correta, mas o crime aí é, na verdade, o peculato do artigo 312.

Por fim, tem aquela pessoa que exerce a função pública e usa de seu cargo para “contribuir” com algum interesse particular, em relação à administração pública. É o caso, por exemplo, daquele funcionário que não escuta os conselhos de seu Advogado Criminal e utiliza de seu cargo para pressionar seus colegas de trabalho a favorecerem algum amigo ou parente. Temos ai a advocacia administrativa, que é um crime previsto no art. 321.

Por que diferenciar tantos crimes?

Vimos hoje que várias condutas que levam a opinião pública a colocar o selo de corrupto na pessoa, não são propriamente atos de corrupção.  Não acreditamos, contudo, que devemos lançar a campanha para o emprego juridicamente adequado do termo. Esse uso “correto” do termo não é importante.

O que importa para o exercício saudável da cidadania é que a expressão de repúdio à todas formas de agressão à coisa pública, tenha sempre um léxico e um significado. Quanto às adequações técnicas? Que elas continuem a cargo do Advogado Criminal e dos outros operadores do direito. A eles incumbe a tarefa de dar a cada delito o nome adequado e a cada narrativa a roupagem devida.

E se você se pergunta porque fazer tantas divisões e não colocar logo todos esses comportamentos ilícitos em um único crime de corrupção, a resposta é a mesma que orienta todas opções feitas no Direito: para se fazer justiça!

Condutas ilegais diferentes, em situações diferentes, merecem punições diferentes. O justo, que é perseguido pelo Advogado Criminal e demais operadores, passa inevitavelmente pela aplicação da pena devida. Isso, QUANDO e SE for devida!

Agora, se o comportamento de um dado agente público será reconhecido como um crime; e se esse crime vai entrar ou não para o imaginário popular como uma forma de corrupção; isso, caros leitores, fica sempre por conta da história.