Minha conversa com o policial pode servir de prova?
Uma pergunta que escutamos bastante na advocacia criminal está relacionada ao valor probatório das conversas informais de uma pessoa com o policial que a abordou. Algo que eu falei “em off” para o policial pode me dar prisão? E no processo, pode levar a condenação? Curiosamente as respostas passam por um assunto muito explorado pela indústria do entretenimento.
Os “Avisos de Miranda”
Em 1966 a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, em votação apertada de cinco contra quatro votos, que as declarações prestadas por um cidadão a polícia só teriam validade se ele fosse previamente avisado de que:
· Tem o direito de permanecer em silêncio;
· Tudo que for dito poderia ser usado contra si;
· Tem o direito de um defensor.
Essa decisão se deu no contexto do julgamento conhecido por “Miranda versus Estado do Arizona” e gerou um precedente vinculante para todo sistema jurídico norte-americano, ficando conhecido como “Avisos de Miranda”.
Desde então os “Avisos de Miranda” tornaram-se um elemento protocolar na abordagem policial nos Estados Unidos e, graças à popularidade das séries e filmes daquele país, alcançaram o imaginário popular como uma conduta típica de todas forças policiais.
A adoção dos avisos pelo sistema brasileiro
Embora a decisão da Suprema Corte norte-americana não tenha qualquer influência sobre o Direito brasileiro, as ciências jurídicas penais definitivamente se debruçaram sobre o valor dos “Avisos de Miranda” enquanto um instituto de defesa e valorização dos direitos humanos e liberdades individuais. Por esse motivo, tanto o sistema judicial brasileiro, como os sistemas de outros países, importaram a inspiração norte-americana para trazer limitações à atuação policial.
Por aqui, os “Avisos de Miranda” primeiramente apareceram na forma do dever de cientificar os acusados do direito ao silêncio. Todavia, ao longo dos anos os avisos vem ganhando uma aplicação mais ampla e mais rigorosa no Brasil.
O valor jurídico das conversas informais durante uma abordagem policial
Nem tudo que acontece durante uma abordagem policial é devidamente registrado. É muito comum que a pessoa abordada e o agente público estabeleçam algum diálogo supostamente despretensioso durante o procedimento. Imaginem então o quão surpresos ficam os acusados, quando descobrem que alguma coisa que foi falada em particular com o policial, passou a ser utilizada como prova incriminadora.
Em uma cidade grande como Belo Horizonte, já observamos essa situação se repetir em relação às mais variadas infrações. Desde o uso e porte de drogas ou armas, até a direção embriagada e a utilização de documento falso. Em todas elas a situação é basicamente a mesma: o cidadão abordado faz alguma declaração “em off” com o agente público e, durante o processo criminal, essa declaração aparece registrada, sendo então utilizada pelo juiz da causa para aplicar alguma pena ou medida cautelar.
Explicando tecnicamente, o que ocorre aí é uma valorização inesperada de alguma declaração do suspeito. Ele despretensiosamente admite, por exemplo, que o material que está carregando é ilegal; ou que ele foi mesmo o autor de determinado delito; ou ainda que estava praticando alguma conduta em desacordo com a lei. As possibilidades são muitas, mas a relevância jurídica é praticamente a mesma: a declaração passa a ser vista como uma prova incriminadora.
Daí terem proliferado as prisões e as condenações em que o acusado é pego de surpresa pela referência, na decisão judicial, a algo que foi dito informalmente durante a batida policial.
Os “Avisos de Miranda” como um limite à utilização dos diálogos informais
Uma das formas pelas quais os Advogados criminais têm conseguido limitar a utilização de diálogos informais em prejuízo do acusado, é a invocação dos “Avisos de Miranda”. Uma decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no RHC nº192798, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em 24 de fevereiro de 2021, deu respaldo a esse entendimento. O Ministro registrou que “a Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito”.
Com isso, cria-se um obstáculo à utilização das conversas informais em prejuízo ao acusado. Sem que ele tenha sido informado de seu direito ao silêncio – expressão dos “Avisos de Miranda” no Direito brasileiro – suas declarações não podem ser utilizadas em seu prejuízo. Se forem, haverá nulidade que poderá ser suscitada pelo Advogado criminal do réu no momento oportuno.
Mas a nulidade não é instantânea e é melhor ter cautela
Apesar da decisão do STF trazer uma ferramenta justa contra essa forma traiçoeira de prova, o mesmo julgado traz uma ressalva importante. A nulidade decorrente da utilização de conversas informais, sem o prévio aviso de direito ao silêncio, só provoca a nulidade da prova se houver comprovação de prejuízo.
Ao Advogado criminal é muito claro que a valorização de uma conversa informal como prova já é sempre e por si só um prejuízo irremediável aos acusados. Todavia, o judiciário tem agora a orientação de que é preciso demonstrar que a valorização dessa prova trouxe prejuízo palpável ao Réu. Esse prejuízo, associado às circunstância fáticas, como o fato de serem, as alegação do agente policial, as únicas provas da confissão do acusado, por exemplo, podem afastar o valor dessa prova para uma condenação ou medida cautelar.
Como não é sempre que as circunstâncias são favoráveis e como a demonstração de prejuízo às vezes não é aceita pelo juiz da causa, o melhor a se fazer é não tomar liberdade com o agente público, durante uma abordagem oficial. Mesmo não tendo sido devidamente cientificado do seu direito de permanecer em silêncio, a situação pode acabar sendo revertida em seu desfavor. A orientação mais prudente continua sendo a de permanecer em silêncio e entrar em contato com seu defensor.