O consentimento da vítima pode afastar o crime de estupro de vulnerável?
Tema de intensas discussões nos Tribunais do país, o tratamento judicial dado ao crime de estupro de vulnerável tem sofrido significativas alterações ao longo do tempo, despertando grandes dúvidas.
Disposto no artigo 217-A do Código Penal, o crime de estupro de vulnerável é caracterizado quando o agente pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos, sendo prevista, nesta ocasião, uma pena de 08 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão àquele que realiza a conduta delituosa.
Frequentemente, a questão atrai questionamentos quanto à responsabilização penal do indivíduo nesses casos, quando presente o consentimento da vítima na realização do ato sexual.
Para melhor compreender a evolução dos entendimentos que cercam a matéria, faz-se necessário trazer um breve retrospecto sobre as decisões que foram proferidas pelas autoridades do Poder Judiciário a esse respeito nos últimos anos.
Foi julgado, em sede de primeira instância, um caso em que um homem – com 20 anos de idade na época dos fatos – submeteu uma menina de 13 anos a relações sexuais, das quais resultou uma gravidez.
Embora tenha sustentado a defesa do réu que ele estaria em um relacionamento amoroso com a vítima, o homem foi alertado pela família da menina a se afastar, o que não ocorreu, tendo sido necessário o acionamento do conselho tutelar do estado.
Dentro dessas circunstâncias, o Juízo de primeiro grau entendeu pela absolvição do acusado, por considerar que não poderia se falar em violência nas hipóteses em que há o consentimento da vítima na prática sexual.
Ademais, o Juízo afirmou que a condenação do réu prejudicaria o desenvolvimento da família recém-formada, motivo pelo qual afastou sua responsabilização criminal.
Após a interposição dos recursos cabíveis, o processo foi levado até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para julgamento. Naquela ocasião, o relator do caso, ministro Rogerio Schietti, reforçou o entendimento já pacificado no Tribunal no sentido de que o delito de estupro de vulnerável é configurado independente de eventual consentimento da vítima, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente, conforme previsão da Súmula 593 do STJ.
Isso porque, no entendimento contemplado pelo ministro, a imaturidade psíquica e emocional de uma pessoa menor de 14 (quatorze) anos não permite o reconhecimento válido da vontade, seja para consentir livremente com o ato sexual, seja para, posteriormente, decidir se o réu deve ou não ser processado.
Nota-se que a fundamentação utilizada para amparar essa noção parte da premissa de que a capacidade de discernimento da vítima tem capacidade de discernimento reduzida no que diz respeito ao exercício de sua sexualidade.
Dessa forma, para que seja caracterizado o estupro de vulnerável, basta a comprovação da conjugação carnal ou de outro ato libidinoso com o menor de 14 (quatorze) anos, mesmo que não tenha sido empregado qualquer tipo de violência contra a vítima ou ainda que haja vínculo amoroso entre os envolvidos.