Barroso e Coelho Advocacia

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O que é a indignidade e o que a Lei nº 14.661 de 2023 altera no Direito das Sucessões?

É possível que uma pessoa seja excluída do recebimento de uma herança. Isso significa que não poderá participar da partilha de bens deixados pelo falecido.

A exclusão da herança é pessoal e, portanto, não atinge os herdeiros do excluído da herança. Por essa razão, a sucessão se dará aos seus herdeiros, como se o excluído estivesse morto, não podendo sequer administrar os bens em caso de filhos menores de 18 anos.

A exclusão da herança se dá por duas figuras: a deserdação e a indignidade.

A deserdação ocorre somente por manifestação de vontade do autor da herança em testamento. Nesta situação, apenas o herdeiro necessário poderá ser deserdado. O herdeiro necessário é aquele que possui direito à parte legítima da herança, isto é, aquela em que o testador não pode dispor do seu patrimônio. No Brasil, essa porção corresponde a 50% do patrimônio conquistado em vida pelo autor da herança.

As hipóteses de deserdação estão dispostas nos arts. 1.814, 1.962 e 1.963, do Código Civil.

Por sua vez, a indignidade só pode ser decretada por sentença judicial. Será considerado indigno quem cometer um dos atos listados pelo art. 1.814 do Código Civil. A indignidade é considerada uma punição civil. Só pode ser considerado indigno herdeiros necessários ou os chamados legatários. Legatário é a pessoa que receberá parte da herança indicada em testamento, podendo ser herdeiro necessário ou não.

Quanto às hipóteses de indignidade, este dispositivo traz o seguinte:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Na primeira hipótese, só haverá exclusão da herança se o ato tiver sido doloso, isto é, se foi cometido com intenção. Caso o agente tenha agido com imprudência, imperícia ou negligência, não poderá ser excluído da sucessão.

Na segunda, não importa se os crimes de calúnia, denúncia caluniosa e injúria tenham sido cometidos durante a vida do falecido ou após a sua morte. Isso porque a memória do falecido também é protegida pelo ordenamento jurídico.

Por fim, é considerado atentado à liberdade de testar na terceira hipótese. O direito de testar possui raízes milenares, praticado desde a Antiguidade, quando o autor do patrimônio nomeava herdeiro para proteger a família. Sendo assim, qualquer herdeiro ou legatário que aja com violência ou fraude na tentativa de obstar o direito de testar é punido pelo Direito Civil.

A indignidade pode ser requerida pelos herdeiros necessários, por qualquer interessado ou até mesmo pelo Ministério Público, nas hipóteses do inciso I, do art. 1.814, do Código Civil.

Em todas as hipóteses, é preciso que haja o elemento dolo para que a exclusão por indignidade seja declarada. Além disso, para atos que sejam cometidos post mortem ou que os interessados só venham a saber após decurso do tempo, o ajuizamento de ação ordinária de exclusão por indignidade só pode ser feito em até 4 anos após a abertura da sucessão. Contudo, há entendimento no sentido de que, se absolvido por crime na seara criminal, não é possível que haja pedido de indignidade em ação civil.

Em alguns casos, há a possibilidade de o autor da herança perdoar o herdeiro, em testamento ou outro instrumento, quando já tinha conhecimento da ocorrência do crime. Nestes casos, não é possível considerar como indigno se o próprio testador ou autor da herança decidiu o contrário. É a chamada reabilitação.

Por se tratarem de crimes, é possível que exista ação penal para apuração e punição das condutas. Até agosto de 2023, nos casos em que houvesse ação penal correndo contra herdeiro necessário ou legatário, pelo cometimento de qualquer crime a que alude o art. 1.814, Código Civil, era necessária, ainda, que houvesse sentença civil decretando a indignidade.

Contudo, em 24/08/2023 foi sancionada a Lei nº 14.661, que inclui o art. 1.815-A no Código Civil. A partir de então, se houver sentença penal que condena o herdeiro pelos crimes do art. 1.814, o seu trânsito em julgado exclui o herdeiro da sucessão automaticamente.

Isso acaba com a necessidade de ajuizamento de ação própria para a declaração da indignidade, prestigiando a celeridade procedimental e o aproveitamento de atos judiciais.

A Lei nº 14.661 entrou em vigor na data da sua publicação.