Posso ser preso durante o isolamento social?
Durante o isolamento social causado pela pandemia da COVID-19 para evitar a disseminação do novo coronavírus, as notícias sobre a criminalidade desapareceram dos jornais.
Por outro lado, vimos (e discutimos aqui no blog) que existem recomendações oficiais para o cumprimento alternativo das penas restritivas de liberdade. O assunto suscitou a dúvida de um leitor que nos procurou: “se há recomendação para soltar presos, as forças de ordem devem ter sido orientadas a não realizar prisões, não é mesmo?”
Essa é uma indagação razoável. Diante da situação particular que vivemos, as campanhas públicas estão engajadas em combater as aglomerações de pessoas. Parece crível que o poder público esteja excepcionando a detenção de indivíduos durante o período de isolamento. É sobre isso nosso artigo de hoje.
Para não criar uma falsa expectativa ao leitor, é melhor deixar claro desde já: você pode sim, ser preso durante o isolamento social. A possibilidade e os critérios de prisão não foram alterados pelas circunstâncias.
Habeas Corpus e prisões domiciliares: o que diz a lei
Conforme a Dra. Carolina Junqueira explicou no artigo sobre Habeas Corpus e prisões domiciliares em tempos de coronavírus, nunca houve qualquer determinação oficial para a soltura de presos. Nenhuma lei estabeleceu que os reclusos do sistema carcerário fossem colocados na rua para, assim, protegê-los do contágio.
Alguns Órgãos elaboraram recomendações, como o CNJ através da Recomendação nº 62 e, no caso de Minas Gerais, o TJMG através da Portaria Conjunta nº 19. Todas, contudo, foram direcionadas aos Tribunais, Diretores Prisionais e Juízes de Execução: aqueles magistrados responsáveis por acompanhar o indivíduo preso no decorrer da cumprimento de sua pena.
Essa situação em nada se relaciona com aquela da pessoa que é presa em flagrante por dado crime. E aqui cabe um esclarecimento importante para o nosso leitor: aquele momento em que normalmente ocorre uma abordagem policial, e a pessoa sai algemada para a delegacia, não é o que se possa tecnicamente chamar de prisão. Talvez condução ou detenção sejam mais adequados, mas o ato jurídico da prisão é algo absolutamente diferente.
Prisão durante o período de isolamento social
A pergunta que nos foi feita então tem dois desdobramentos. O primeiro é saber se a pessoa pode ser conduzida normalmente durante o período de quarentena; e o segundo é se o procedimento formal de prisão (na sua acepção tecnicamente adequada) foi afetado por qualquer regulamentação.
Quanto ao procedimento de prisão, o estado excepcional de quarentena que vivemos não trouxe qualquer alteração. Qualquer indivíduo que por ventura seja levado à presença da autoridade policial ou judicial competente, será submetido ao procedimento de costume.
Esperamos, é claro, que as circunstâncias duras que enfrentamos influenciem essas autoridades a levar os riscos da pandemia em conta, na condução dos procedimento. Nesse sentido, é possível e até provável que os riscos do contágio e a inclusão ou não do indivíduo no grupos de risco de infecção influenciem nas ponderações sobre a prisão preventiva, liberdade provisória e até na imposição de fiança, no que competir a cada autoridade.
Isso não significa necessariamente uma tendência à imposição de prisões domiciliares, alternativamente ao encarceramento prisional. Sobre isso, viemos observando decisões nos mais diversos sentidos.
Decisões alternativas ao encarceramento prisional
Há aquelas que concederam a prisão domiciliar como opção que mais preza pela saúde daquele preso em particular. Em sentido oposto, vimos despachos “argumentando” que o recolhimento ao cárcere seria a melhor garantia de que o infrator não se exponha ao vírus, já que o número de contaminados pelo coronavírus é maior fora do presídio do que dentro dele.
Algumas decisões ainda ponderaram sobre o risco de trazer, sem necessidade imperiosa à ordem pública, um indivíduo do mundo externo para dentro das paredes prisionais, sob risco de contágio à população carcerária.
E finalmente há as famigeradas decisões que ignoram a periculosidade da situação e posicionam o julgador como indiferente a qualquer relação entre contágio e encarceramento.
Em resumo, se algo no procedimento pode positivamente levar à uma redução de prisões durante o período de enfrentamento do novo coronavírus, definitivamente vai ocorrer dentro do espaço de discricionariedade legal das autoridades.
Abordagem e condução durante a quarentena
Por fim, temos que falar sobre a abordagem e condução de pessoas durante o período de quarentena.
Aqui também não há qualquer orientação oficial para que as forças policiais deixem de cumprir (legalmente) o dever de abordagem ou condução de pessoas. A falta de cobertura midiática parece ser a grande causadora de uma falsa impressão em sentido contrário.
O sumiço dos crimes na mídia pode tanto ser atribuído ao isolamento social - que diminui a circulação de pessoas, reduzindo as estatísticas de criminalidade -, quanto à tomada de espaço pelas notícias da COVID-19.
De toda forma, não significa uma necessária redução ao policiamento ostensivo, ou sequer a orientação de que não se faça repressão à qualquer forma de criminalidade.
As conduções e abordagens policiais, seguem, portanto, sendo realizadas da mesma maneira. Inclusive, notícias recentes parecem dar conta de um direcionamento das forças de ordem pública a repressão daqueles que violam a ordem de recolhimento domiciliar.
Não que a “violação de quarentena por pessoas saudáveis” tenha sido transformada em crime, por si. Essa é mais uma falsa impressão que podemos derrubar: as pessoas abordadas e conduzidas em violação ao isolamento são detidas por delitos já existentes. Em sua grande maioria, desobediência ou desacato (artigos 300 e 331, respectivamente, do Código Penal).
E nesse sentido, a fase de quarentena pode ser causa de prisões por novos e mais motivos. Não menos, como a exposição midiática possa levar a crer. Talvez, apenas menos frequentes e divulgados.
Em qualquer caso, é melhor mesmo permanecer em casa.