Responsabilidade civil pela perda de uma chance
É sabido que, nos termos do art. 927 do Código Civil brasileiro todo “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Contudo, o dano nem sempre consiste em um prejuízo causado de forma direta e imediata à vítima e facilmente quantificável. Em alguns casos, a responsabilidade pode decorrer de ilícito praticado pelo autor que, de alguma forma, tenha privado alguém de obter um resultado útil ou de evitar um prejuízo.
Nesse cenário, diante da necessidade de se aumentar a proteção aos direitos e garantias individuais, surgiu na França, em meados de 1960, a denominada teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance – originalmente criada com com o objetivo de imputar a um médico francês o dever de indenização, a partir de um erro no diagnóstico que retirou completamente as chances de vida da vítima.
A responsabilidade por aquilo que se poderia ganhar ou pelo prejuízo que se poderia evitar, apesar de não ser expressamente regulamentada pelo ordenamento jurídico brasileiro, é aplicada a partir da interpretação do art. 5° da Constituição Federal, bem como dos arts. 186 e 927 do Código Civil – os quais estabelecem, de forma geral a existência direitos e garantias e o dever de reparação de todos os danos causados.
Em análise sucinta do instituto em questão, é possível extrair três elementos comuns presentes nos casos de lesão a interesse sobre eventos aleatórios:
um interesse sobre um resultado aleatório;
a diminuição das chances de obter o resultado, decorrente de algum fato imputado ao réu;
e a não obtenção do resultado aleatório desejado.
O caso mais notório da aplicação da responsabilidade civil por perda de uma chance ocorreu no caso do “Show do Milhão” julgado pelo STJ (REsp n° 788.459). Nesse embate, a vítima havia acertado todas as perguntas até então, e como premiação já acumulava o montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Entretanto, ao chegar na pergunta do milhão a participante optou por não respondê-la e, consequente encerrar a sua participação, já que pela forma que foi elaborada, a pergunta não poderia ser respondida corretamente.
No ápice do programa, o apresentador Silvio Santos perguntou: “A constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território brasileiro?” e como possíveis respostas, ofereceu as alternativas “A) 22%, B) 2%, C) 4 % ou D) 10%.” Contudo, a opção da vítima em não responder pautou-se no fato de que a Constituição, em seu art. 231, não indica percentual fixo do território reservado aos indígenas.
Nesse sentido, ao apreciar o tema, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do relator Ministro Fernando Gonçalves, em aplicação da teoria da perda de uma chance, reconheceu que não haveria como concluir de fato que, mesmo devidamente elaborada, a pergunta seria respondida corretamente.
Consequentemente, observou a ausência da certeza do acréscimo patrimonial - um dos pressupostos essenciais para a condenação a indenização. Ainda assim, determinou o pagamento à vítima da indenização de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil) equivalente a probabilidade matemática de acerto da questão e consequente acréscimo patrimonial efetivo.
Portanto, em certos casos, mesmo sem a configuração de um prejuízo causado de forma direta e imediata à vítima e facilmente determinado, é possível que haja responsabilização do autor e a indenização destinada à vítima afetada pela conduta omissiva ou comissiva do agente.
Entretanto, para que se configure a responsabilidade civil, é necessário que se observe a presença do dano, entendida como perda de uma probabilidade séria e real, a conduta de outrem e o nexo causal entre a conduta do autor a perda de uma chance da vítima.
Dessa forma, é possível identificar diversos os casos em que é possível vislumbrar a aplicação da teoria da perda de uma chance – tais como em caso de erro médico (REsp 1.662.338), acidentes que impedem algum resultado útil, prejuízos decorrentes de atuações bancárias em operações de investimento que impedem o lucro do investidor (REsp 1.540.153), bem como em situações que a ação ou omissão impede a vítima de evitar um prejuízo, como no caso de advogado que perde um prazo essencial (REsp 1637375).
Fato é que a plena aplicação dos direitos e garantias individuais contempla a garantia integral da reparação dos danos causados, incluindo aqueles resultantes da perda de uma chance causada por outrem.
REFERÊNCIAS
CARNAÚBA, Daniel. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: A álea e a técnica. Paris: Método, 2013.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. Ed. Rev. E ampl. São Paulo: Atlas, 2014.
LEVY, Daniel Andrade de. Responsabilidade Civil: De um Direito dos Danos a um Direito das Condutas Lesivas. São Paulo: Atlas. 2012.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de Introdução e parte geral. 10. Ed. São Paulo: Método, 2014.