Tráfico privilegiado
Conceito e implicações no processo penal
O tráfico privilegiado está previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06 e, trata-se, na realidade, de uma causa de diminuição de pena. Em outras palavras, quando o agente pratica o crime de tráfico de drogas, ele pode ter sua pena reduzida de um sexto a dois terços, se preenchidas algumas condições.
Assim, quando falamos em um crime tecnicamente privilegiado estamos diante de uma conduta que se assemelha à conduta original, mas possui penas mínima e máxima inferiores.
Para o reconhecimento do tráfico privilegiado, é necessário que o acusado seja primário e de bons antecedentes. Isto é, não possua condenação definitiva (com trânsito em julgado) antes da data do fato apurado. E ainda, que não se dedique às atividades criminosas, tampouco integre organização criminosa.
Cuida-se de uma norma inédita, que visa à redução da punição daquele traficante de primeira viagem, haja vista a menor reprovabilidade da conduta do agente e a ausência de vínculo com organizações criminosas.
É importante destacar que o entendimento majoritário é de que se tratam de requisitos cumulativos, de modo que o não preenchimento de um deles é suficiente para a não aplicação da causa de diminuição.
Quais são as implicações do reconhecimento do tráfico privilegiado?
Com relação às consequências de se aplicar essa causa de diminuição, reconhecendo, portanto, o tráfico privilegiado, podemos dizer que são muitas.
A primeira delas, como já explicitado, consiste na possibilidade da pena, ao final da dosimetria, ser estabelecida abaixo do mínimo estipulado para o tráfico de drogas, que é de 05 (cinco) anos. Esse quantum poderá ser reduzido numa fração que varia de 1/6 a 2/3.
Assim, aplicada a redução em seu máximo, por exemplo, a pena definitiva do agente poderia cair de 05 anos para um ano e 08 (oito) meses.
Com essa redução, possibilita-se a fixação de regime inicial para cumprimento de pena mais brando, ou até mesmo a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, elencadas no rol do art. 43 do Código Penal.
Para além do abrandamento considerável da sanção imposta, reconhecida a incidência da causa de diminuição de pena, afasta-se ainda a hediondez do delito. Isso porque a menor ofensividade da conduta, reconhecida pela causa de diminuição de pena, seria incompatível com a caracterização da hediondez, reservada apenas aos crimes que atingem de maneira mais severa a sociedade.
Tal circunstância irá refletir não somente antes da condenação, por exemplo, no prazo máximo admitido para a prisão temporária (que é maior nos crimes hediondos), como também após a condenação, quando da concessão de benefícios durante a execução da pena.
Ainda em se tratando das implicações da incidência do trafico privilegiado, outro aspecto importante refere-se ao reconhecimento ou não da reincidência especifica.
E por reincidência especifica, entende-se aquela situação em que o sujeito, já ostentando de condenação definitiva pela prática de determinado delito volta a praticar aquele mesmo crime ou outro da mesma natureza.
Há reincidência específica entre o tráfico comum e o tráfico privilegiado?
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não há se falar em reincidência específica entre o tráfico comum e o privilegiado. Pra o Tribunal Superior, o sentenciado condenado, primeiramente, por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) e, posteriormente, pelo crime previsto no caput do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, não é reincidente específico.
A divergência inaugurou-se quando da possibilidade de concessão ou não do benefício do livramento condicional[1] na execução da pena, já que a lei determina que nos casos de condenação por crime hediondo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, tráfico de pessoas e terrorismo, a concessão ocorrerá se cumpridos mais de dois terços da pena, desde que o apenado não seja reincidente específico em crimes dessa natureza.
Na ocasião, o STJ entendeu que em razão do trafico privilegiado não gerar reincidência especifica, não incide vedação legal ao livramento condicional. Para tanto seria exigível expressamente a reincidência específica em tráfico comum (não privilegiado), crimes hediondos ou equiparados, que têm maior grau de reprovabilidade.
Ademais, o Superior Tribunal Federal (STF) entendeu que condenado o agente por tráfico privilegiado, não é exigível o cumprimento de 2/3 da pena para usufruir do benefício do livramento condicional, tal qual se verifica nos crimes hediondos e equiparados. Deve ser aplicada a regra geral, ou seja, o cumprimento de 1/3 da pena, a teor dos artigos 112 da Lei de Execução Penal e art. 83, inciso I, do Código Penal, respectivamente.
[1] Livramento ou liberdade condicional é o benefício que pode ser concedido a um condenado, que permite o cumprimento da pena em liberdade até total de sua pena, desde que preencha as condições e requisitos definidos no artigo 83 do Código Penal e 131 a 146 da LEP.