Previdência privada e planejamento sucessório

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Previdência privada fechada e aberta: principais distinções

Inicialmente, cumpre registrar que tanto a previdência fechada quanto a aberta são modalidades de previdência complementar e por isso são facultativas, dependendo da adesão do participante, que indicará seus beneficiários. Ambas possuem uma taxa de administração e visam a acumulação de recursos e recebimento de renda, sendo a fechada, a partir de uma idade determinada pelo participante e a aberta a partir de uma data igualmente escolhida pelo participante.

A previdência privada fechada, também chamada de fundos de pensão, é aquela destinada a uma classe de funcionários vinculados a uma empresa ou de associados vinculados a uma associação ou classe profissional. O custeio é feito por meio de aportes dos participantes (trabalhadores que aderirem), assistidos (dependentes) e patrocinador (a empresa).

Já a previdência privada aberta é aquela oferecida pelos bancos e seguradoras a qualquer pessoa física ou jurídica que tenha interesse, independentemente de qualquer vínculo profissional. O custeio é exclusivamente feito pelo regime de capitalização, no qual o participante realiza depósitos periódicos de recursos financeiros.

No Brasil existem dois modelos: o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) e PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre). A principal diferença entre eles está na tributação do imposto de renda.  Enquanto no VGBL, a alíquota do imposto de renda incide progressivamente somente sobre a rentabilidade do patrimônio investido, no PGBL a alíquota incide progressivamente sobre o todo investido, mas nesse caso, há o benefício fiscal da dedução do imposto de renda do importe de 12% (doze por cento) da renda anual.  O 1º modelo é mais interessante para quem faz a declaração anual de imposto de renda completa e o 2º modelo para quem faz a simplificada.

Vale lembrar que tanto a previdência fechada quanto a aberta, a princípio, objetivam complementar uma futura aposentadoria ou pensão por morte. O objetivo desses planos consiste no acúmulo financeiro, para, no futuro, o participante ou seus beneficiários optarem pelo recebimento de uma renda vitalícia mensal ou pelo resgate único do total aplicado.

A previdência privada integra os bens do espólio?

Com o falecimento do participante, surge a discussão se os valores acumulados nos planos de previdência privada serão destinados tão somente aos beneficiários neles indicados, ou, se serão destinados a todos os herdeiros, sendo parte integrante o acervo hereditário.

O entendimento majoritário nos tribunais é no sentido de que como os planos de previdência privada aberta possuem natureza securitária. Aplicar-se-ia, analogamente, o art. 794 do Código Civil, o qual dispõe que os seguros de vida não estão sujeitos às dívidas deixadas pelo espólio e nem são considerados como herança.

Desse modo, apenas os beneficiários indicados pelo participante terão direito aos valores aplicados, independente de inventário e partilha. Se o beneficiário for um herdeiro necessário, não haveria que se falar em adiantamento da legítima, nem em colação dos valores por ele recebidos do VGBL ou PGBL para fins de partilha.

Todavia, há entendimentos jurisprudenciais no sentido de que devem ser observadas as peculiaridades de cada caso, já que, muitas vezes, os planos VGBL e PGBL não são utilizados pelos seus participantes como previdência ou seguro, mas sim, como real investimento, burlando as regras sucessórias. Principalmente quando a contratação do plano se dá em idade mais avantajada do participante e quando somam quantias significativas em relação ao monte mor.

Evidenciando-se o caráter de investimento financeiro, deve-se partilhar a todos os sucessores os valores acumulados no plano de previdência complementar, em detrimento dos beneficiários indicados pelo de cujus. Se estes, por sua vez, forem herdeiros necessários, deverão colacionar os valores recebidos, a fim de igualar a legítima e partilhar todo o acervo hereditário.

Como fica o ITCD?

O ITCD ou ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação) comumente conhecido como imposto sobre doações e heranças é devido ao Estado onde, em regra, os bens imóveis estiverem situados, e no caso de transmissão de bens móveis, créditos e direitos, no lugar em que se processar o inventário e arrolamento, em se tratando de doação no lugar do domicílio do doador.

No caso de herança, a alíquota do imposto varia de 2% a 8% por Estado. Em Minas Gerais, a alíquota é de 5% e a base de cálculo, em regra, se caracteriza por todo o patrimônio do de cujus transmitido aos herdeiros e legatários. O prazo para pagamento, sem incidência de multa e juros é de 180 dias, contados da abertura da sucessão, isto é, do óbito. É possível o parcelamento de acordo com os critérios e prazos estabelecidos pela Secretaria do Estado da Fazenda.

Com relação aos planos de previdência privada, haveria que se falar em incidência do ITCD?

Se eles possuem natureza de seguro de vida, em regra, não incidiria o imposto, mesmo porque não seria parte integrante do acervo hereditário. Se, por outro lado, possuírem natureza de real investimento, incidiria o imposto normalmente.

Obrigação das entidades de previdência privada fechada e aberta de retenção e recolhimento do ITCD em Minas Gerais

Ocorre que, Minas Gerais inovou, ao alterar, em 12/2018, o art. 35-A do Regulamento do ITCD para determinar que as próprias entidades de previdência complementar, abertas e fechadas, sejam responsáveis pela retenção e recolhimento do ITCD devido ao Estado, inclusive aquele relativo aos planos de previdência privada e seguro de pessoas nas modalidades PGBL e VGBL.  Em caso de descumprimento, as entidades se sujeitam à pena de multa.

Até 31/01/2019, o referido dispositivo legal determinava que as entidades de previdência complementar, seguradoras e instituições financeiras prestassem tão somente informações sobre os planos de previdência privada, quando intimadas pelo Superintendente Regional da Fazenda, não atribuindo-lhe qualquer outra responsabilidade.

Nesse sentido, verifica-se que a Fazenda Estadual não só positivou a incidência do ITCD sobre os valores acumulados no plano de previdência privada, como também atribuiu às entidades a obrigação tributária de retenção e recolhimento do imposto. Independentemente de qualquer discussão sobre a natureza jurídica, ainda que securitária.

Decisão recente do Tribunal Mineiro em favor das entidades de previdência complementar fechada

Recentemente, em 09/2019, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais(1) julgou um agravo de instrumento confirmando a decisão que deferiu liminar, no bojo do Mandado de Segurança impetrado pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, para determinar que as autoridades estaduais se abstenham de impor a responsabilidade tributária de recolhimento de ITCD às entidades fechadas.

A controvérsia girou em torno da possibilidade de incidência do ITCD sobre a complementação paga por entidade de previdência fechada ao beneficiário de pensão  por morte. Tendo o tribunal entendido que não existe transmissão de propriedade ou direito decorrente do óbito, apenas a utilização de um capital construído mediante a contribuição de anos para garantia da manutenção do padrão econômico da família, seja em decorrência da aposentadoria ou da pensão por morte.

Entendeu-se, ainda, que existem relações jurídicas diversas entre as entidades de previdência fechada, o participante e o beneficiário. Com o óbito do titular, não há transmissão, pois não haverá complementação da aposentadoria, mas da pensão por morte, de modo que, somente então nasce uma nova obrigação, com partes novas e distintas.

Por conseguinte, comprometeria o sistema atuarial atribuir a condição de substituta tributária às entidades de previdência complementar de entidade fechada, na medida em que as reservas existentes em poder destas ficariam comprometidas, considerando a onerosidade que elas suportariam se dependessem da restituição dos valores pelo Estado, que o faz por meio de precatórios. 

E as entidades de previdência privada aberta?

Até o presente momento, não há julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que versem sobre a mesma questão tratada no tópico acima para as entidades de previdência privada aberta. Embora, predominantemente, o STJ tenha entendido que, pela sua natureza securitária, não incide o ITCD, o Estado impôs essa obrigação às entidades abertas, que antes de transferir os valores em conta seja para o beneficiário, seja para os herdeiros, já procederão a retenção do imposto. Cabe ao contribuinte discutir judicialmente a questão.

Diante de tudo o que foi exposto, verifica-se a importância de um planejamento sucessório para que os herdeiros ou beneficiários de plano de previdência sejam surpreendidos, posteriormente, com a cobrança indesejada de tributos.

As leis e a jurisprudência sofrem mudanças constantes na área do direito das sucessões, sendo de grande valia a orientação jurídica para aqueles que se importam com o futuro do seu patrimônio e dos seus herdeiros.

(1) Agravo de Instrumento – Cv 1.0000.19.032146-3/001. 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Des. Relator: Alberto Vilas Boas. DJE: 20/09/2019.