Dick the Butcher, personagem que profere o mandamento é, inequivocamente, um vilão.
Longe de buscar a libertação, seu objetivo é aproveitar-se do caos revolucionário para, sob o manto da anarquia, perpetuar assassinatos, saques e estupros, saciando, por meio da violência, seus desejos sombrios e perversos.
Com a ironia e cinismo que lhe são peculiares, entendo que o bardo não simplesmente repete a impressão vulgar que, frequentemente, acusa advogados de serem agentes de manutenção do status quo.
Quando o açougueiro sugere matar todos os advogados, o que busca garantir é que ninguém irá se interpor entre o vilão e suas vítimas.
Gosto de pensar que Shakespeare buscou dizer que enquanto existirem advogados será impossível implantar, com tranquilidade, qualquer regime que permita que os desejos de um tirano suplantem os direitos dos indivíduos.
Apenas os advogados têm o privilégio – e o dever – de interpor-se entre o Leviatã do Estado e as liberdades individuais.
Quando a advocacia se omite ou se afasta de seus princípios, a sociedade retorna à selvageria da lei natural, onde a força prevalece e os desvalidos são condenados à submissão.
A honestidade intelectual obriga-me a admitir que não possuo qualquer razão para acreditar que minha interpretação esteja mais próxima da intenção original do autor, tampouco detenho um conhecimento exclusivo, inacessível àqueles que adotam leitura mais evidente.
Provavelmente o que me faz adotar tal exegese é o fato de eu ser advogado, e o desejo íntimo de acreditar que a sociedade nos contempla com a mesma reverência que nutro por nossa profissão.
Mas não importa. Somos narradores que moldam verdades, e estamos acostumados a construir história com nossos discursos.
Em 2025, conclamo meus colegas a resgatarem a visão romântica (quase infantil) que nos era comum, nos primeiros períodos da faculdade, sobre o advogado: nobres defensores das garantias e liberdades individuais, escudo implacável dos oprimidos contra a tirania de seus opressores.
É nosso dever lutar pelas liberdades individuais e garantias constitucionais, inclusive daqueles que o mundo prefere odiar. Nossa missão é muitas vezes ingrata, afinal são poucos aqueles, além de nós, que entendem que é apenas protegendo os culpados que asseguramos a liberdade dos inocentes.
Em 2025, convido-os a validar minha interpretação de Shakespeare.