Posso gravar conversas como meio de prova?

A Constituição Federal no artigo 5º, inciso X, garante como direito fundamental a intimidade e a inviolabilidade da vida privada. Em razão disso, não se admite a captação indiscriminada de comunicações, sendo crime fazê-lo fora das hipóteses legais.

Inicialmente, é importante pontuar que há três tipos de registros de conversas, ambientais ou telefônicas, que merecem exame jurídico.


Interceptação telefônica e escuta telefônica

A interceptação telefônica é aquela feita por terceiro, sem que os interlocutores tenham conhecimento de sua captação.  Se for realizada com autorização judicial consistirá em prova lícita, caso contrário, será crime, com previsão legal no artigo 10 da lei 9296/96. Veja:

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

A escuta telefônica, por sua vez, consiste na gravação feita por terceiro com conhecimento de um dos interlocutores, sendo imprescindível, do mesmo modo, ordem judicial autorizativa.

É importante salientar, que a ausência da autorização judicial, em qualquer dos dois casos, enseja a ilicitude da prova, todavia, o processo penal admite o seu valor, quando e tão somente para benefício do acusado.

Gravação de conversa por um dos interlocutores

Como terceiro exemplo, temos a hipótese da gravação de conversa realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. É essa, na realidade, que gera maior dúvida.

Afinal, como interlocutor, eu posso gravar uma conversa sem o conhecimento da outra pessoa? Em caso afirmativo, posso utilizá-la como prova em um processo, por exemplo?

Em regra, se a conversa gravada pelo indivíduo trata de diálogo em que ele próprio participa, independentemente do local ser público ou privado, não há que se falar em crime, tampouco existe a necessidade de avisar antecipadamente aos demais sobre tal gravação.

É o que esclarece o art. 10-A, §1º, da Lei 9.296/1996, introduzido pelo Pacote Anticrime, o qual isenta de crime o integrante do diálogo. Isto é, não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.

Art. 10-A. Realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.    

No mesmo sentido, entende o Superior Tribunal Federal. Veja:

No caso concreto, como decidido anteriormente, não restou configurada qualquer flagrante ilegalidade, tendo em vista que o meio de prova impugnado consiste em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, a qual, além de ser prova lícita, não se confunde com interceptação telefônica e, portanto, prescinde de autorização judicial[1].

Contudo, se a captação violar princípios e garantias constitucionais, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, a inviolabilidade do domicílio, o direto ao silêncio, o sigilo profissional, entre outros, a gravação será considerada ilícita, não podendo ser usada no processo.

É o caso, por exemplo, do sigilo medico paciente, cliente e advogado, ou ainda de informações que se relacionem exclusivamente a vida privada e a intimidade da pessoa:

Ainda que não haja proteção penal, pode tratar-se de sigilo implícito, como as intimidade que um amigo relata a outro por telefone, cuja revelação pode violar o direito fundamental à intimidade, salvo se feita para atender direito próprio ou por quem o sigilo protege” (LIMA, 2018, p. 754).[2]

 

[1] STJ - AgRg no HC: 699677 RS 2021/0327063-2, Relator: Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Julgamento: 08/02/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/02/2022.

[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 6. ed. Salvador: Juspodium, 2018.