A responsabilidade objetiva do Estado
/O ordenamento jurídico brasileiro, quanto à responsabilidade civil, adotou o entendimento de que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, nos termos do artigo 927 do Código Civil.
Todavia, no caso em que o agente responsável pelo dano é o Estado, na seara do direito público, o regime de responsabilização é um pouco diferente do que quando se trata de outras pessoas, sejam físicas ou jurídicas.
Isso porque o artigo 37, §6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva do Estado. A partir desse diploma, o Estado tem obrigação de indenizar prejuízos causados por ação ou omissão de seus agentes, no exercício da função de agente público, independente da demonstração de dolo ou culpa por parte do agente. Veja-se:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Ou seja, com a adoção desse tipo de responsabilidade, o Estado responde objetivamente pelos atos praticados pelos seus servidores, tendo, consequentemente, o dever de ressarcir às vítimas eventuais danos causados, assim que comprovados os três requisitos de (i) conduta estatal, (ii) dano e (iii) nexo de causalidade entre eles.
O pressuposto para que essa linha jurídica fosse tomada surgiu da teoria do risco administrativo, a qual entende que se deve atribuir ao Estado toda a responsabilidade pelo risco criado por sua própria atividade administrativa. Uma vez que essa atividade é exercida em favor de todos, o seu ônus (no caso, a indenização a ser paga às vítimas) também deve ser suportado por todos.
Insta relembrar que, para que o Estado não tenha que ficar no prejuízo nos casos em que houve dolo ou culpa, é assegurado que o próprio Estado possa entrar com ação de regresso contra o agente em específico que cometeu o ato danoso com dolo ou culpa – coisa que não cabe ao particular.
Também se ressalta que a responsabilidade objetiva do Estado somente abrange aqueles atos que foram criados na atividade administrativa, sendo possível a descaracterização do requisito “nexo causal”. Isto é, o Estado está isento de danos causados por terceiros, força maior, culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito, por exemplo – o que é reforçado jurisprudencialmente.
Nesse sentido, conforme a doutrina de Cavalieri Filho, se "o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, (...) o Poder Público não poderá ser responsabilizado".[1]
Todavia, não necessariamente é preciso demonstrar cabalmente que o dano veio direta e exclusivamente do Estado, pois a teoria do risco administrativo obriga o Estado a indenizar, sem indagação de culpa, de forma ampla.
Um exemplo disso são as situações de balas-perdidas em perseguições policiais, sobre as quais nem mesmo o estado de legítima defesa ou estado de necessidade vivenciado pelo agente/autoridade retira do Estado o dever de reparar às vítimas.
Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado:
APELAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL - TIROTEIO ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS - DISPARO DE ARMA DE FOGO QUE ATINGIU A VÍTIMA - IRRELEVÂNCIA DA COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DA BALA PARA CARACTERIZAR A RESPONSABILIDADE DO ESTADO RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 37, § 6º, DA CF)-NEXO DE CAUSALIDADE QUE ACARRETA A REPARAÇÃO DO DANO - Autora que teve seu filho atingido fatalmente por bala perdida em tiroteio trocado entre policiais e bandidos. Caracterizado o nexo de causalidade, sendo irrelevante a comprovação cabal da origem da bala - Participação do Estado no evento danoso. A fixação do quantum indenizatório deve atender tanto ao caráter educativo como ao coercitivo, a fim de que o ilícito praticado não volte a se repetir, não obstante, deva haver o balizamento da verba indenizatória para que não ocorra enriquecimento indevido. Pensão mensal e verba honorária devidas - Inversão do ônus da sucumbência - Sentença reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Dessa forma, no caso específico da bala perdida, o Estado tem o dever de arcar com a indenização, mesmo sem a comprovação de culpa do agente ou da origem da bala, sendo suficiente a mera criação do risco em virtude do exercício de sua atividade, direta ou indireta - pois o mero confronto aponta a existência de erro, falta de cuidado, falha no planejamento da ação militar.
Portanto, a responsabilidade objetiva do Estado obriga que haja dever de reparar independente se houve moderação e comedimento dos agentes públicos. Isso se dá com base na teoria do risco, a qual possibilitou a instituição constitucional da responsabilidade objetiva do Estado, a qual é vigente no direito brasileiro.
[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2008. p.253