Direito ao silêncio
/Há prejuízo em optar pelo silêncio perante as autoridades policiais e judiciárias?
Não é incomum que escutemos em produções audiovisuais a clássica frase “você tem o direito de permanecer calado e tudo o que disser poderá ser utilizado contra você no tribunal”. Embora a frase tenha raízes em uma decisão proferida pela Suprema Corte americana no caso Miranda versus Arizona, em 1966, fato é que, anos mais tarde, o direito ao silêncio veio a ser igualmente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, como segmento do princípio da vedação à autoincriminação.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi consagrado, não só ao réu, como a todo indivíduo que é submetido a investigação policial, o direito de permanecer em silêncio. Assim dispõe o artigo 5º, inciso LXIII, da Carta Magna:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;"
Essa previsão decorre do brocardo iluminista “nemo tenetur se detegere”, traduzido sumariamente como a garantia que o indivíduo tem de não produzir provas contra si mesmo, cabendo tão somente ao Estado – na figura do Ministério Público – demonstrar eventual culpa do agente na prática de um delito.
Para além da esfera constitucional, a possibilidade de “ficar calado” encontra respaldo, também, no artigo 186 do Código de Processo Penal (CPP), o qual assegura ao acusado que seja advertido pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
O Supremo Tribunal Federal, nessa linha, assentou o entendimento de que essa prerrogativa é considerada praticamente absoluta, não sendo aplicada apenas na fase de qualificação do interrogatório, em que o réu possui o dever de prestar informações fidedignas ao Magistrado ou à autoridade policial a respeito de seus dados pessoais (nome, idade, estado civil, filiação, sexo, dentro outros), sob pena de incorrer no crime de falsa identidade, nos termos do artigo 307 do Código Penal.
Já em relação às perguntas formuladas a respeito dos fatos sob investigação ou dos elementos que possam contribuir para sua própria condenação, o réu pode manter o seu direito inalienável ao silêncio, sem que isso seja interpretado como um indício de culpa.
De forma complementar e bastante controversa, contudo, o artigo 198 do CPP estabelece que o silêncio do acusado não pode ser interpretado como confissão, mas ressalta que esse silêncio pode constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. Em outras palavras, a despeito de o réu ter o direito de permanecer calado durante o interrogatório, sem que isso seja usado contra ele como uma admissão de culpa, o Magistrado pode levar em consideração o fato de o acusado ter optado por não responder a certas perguntas ao avaliar os demais elementos de prova apresentados no processo.
É dizer: embora o silêncio do acusado possa ser ponderado pelo juiz na formação do seu convencimento, não pode ser interpretado negativamente como um indício de culpa, a menos que existam circunstâncias específicas que justifiquem essa interpretação.
A inexigibilidade de dizer a verdade
Outra característica que sucede do princípio da vedação à autoincriminação é a inexigibilidade de dizer a verdade. Com exceção de suas informações pessoais, a doutrina majoritária compreende que o interrogado goza, ainda, do direito de mentir perante as autoridades policiais ou judiciais, como meio de promover a autodefesa e autopreservação do invíduo.
Isso porque o princípio da ampla defesa, também insculpido na Constituição Federal, admite que o réu possa recorrer a todos os meios disponíveis para não produzir provas contra si mesmo, desde que não vedados por lei e que não impliquem na lesão de terceiros (como, por exemplo, a falsa imputação de crime). Assim sendo, diante da inexistência de previsão legal que criminalize o perjúrio no Brasil, o réu possui a liberdade de apresentar informações falsas em seu interrogatório, a fim de preservar seu direito a não autoincriminação.
É importante ressaltar, contudo, que essas garantias não se estendem ao interrogatório de testemunhas, as quais, por sua vez, possuem a obrigação legal de dizer somente a verdade durante seu depoimento, estando sujeitas a enfrentar as devidas sanções penais caso não o façam, nos moldes do artigo 342 do Código Penal.