Nova Lei de Improbidade Administrativa: principais alterações processuais
/Uma breve análise à luz do Direito Administrativo Sancionador
O direito administrativo sancionador pode ser compreendido como a expressão do efetivo poder punitivo estatal efetivada, neste caso, por meio da Administração Pública. Ao contrário do que se pode extrair em uma primeira leitura, o direito administrativo sancionador permeia todos os campos do direito em que a Administração expressa sua prerrogativa punitiva.
Em essência qualitativa, a punição administrativa equipara-se a sanção penal. Ou seja, em ambos os casos o Estado expressa, por meio dos órgãos públicos competentes, o seu poder de punir condutas antijurídicas.
É da evolução desse conceito, por decorrer do ius puniendi, que há de ser assegurado ao réu um núcleo mínimo de garantias aplicáveis à expressão punitiva do Estado dedicada a evitar abusos e arbitrariedades. Entre essas garantias destacam-se a ampla defesa e o contraditório, a segurança jurídica, a presunção da inocência e a motivação das decisões sancionatórias.
Com efeito, na seara do direito administrativo sancionador o campo que mais suscita debates seguramente é o da Improbidade Administrativa. A gravidade das sanções previstas na LIA deixa clara a necessidade de um núcleo comum de garantias, cuja aplicação não pode ser exclusiva ao direito penal.
Com o advento da Lei 14.230/21 essa necessidade restou amplamente assegurada pelo legislador no âmbito das ações de Improbidade Administrativa. Essa relação foi expressamente consignada no art. 1º, §4º do novo diploma legal: "Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador".
A definição do ato improbo passa a constar nos dispositivos iniciais, traduzindo-se como a conduta dolosa do agente devidamente tipificada em lei que importe em enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou que atente contra os princípios da Administração Pública.
Nos termos da nova LIA, os atos de Improbidade Administrativa sequer podem ser comparados a hipótese de responsabilidade elencada no art. 28 da LINDB, eis que não há mais previsão de responsabilização do agente público em caso de dolo genérico ou erro grosseiro. Em outras palavras, o ato ímprobo prescinde da vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito pretendido e de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Exige-se, agora, a caracterização de dolo específico, não sendo suficiente a voluntariedade do agente.
Ainda na seara do direito administrativo sancionador, a mudança mais radical percebida foi o tratamento conferido ao descumprimento dos princípios da Administração Pública como elemento caracterizador do ato de improbidade.
Diferente da redação original do art. 11 da Lei 8.429/1992, a Nova Lei de Improbidade Administrativa contempla, agora, uma realidade que prescinde da observância das hipóteses elencadas nos incisos I a XII para a configuração de ato de improbidade por violação aos deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade.
Dessa forma, passa a ser impossível a instauração de uma ação civil pública lastreada em conjecturas genéricas de violação ao princípio da moralidade, sem que se especifique uma das hipóteses vedadas pelos incisos do art. 11. Nesta ocasião, se estará diante de uma figura atípica.
Em sequencia a análise das disrupções trazidas pela lei 14.230/21, a redação conferida ao § 4º do art. 1º da Nova Lei de Improbidade Administrativa, já mencionada anteriormente, leva a conclusão de que os processos de Improbidade Administrativa regem-se pelo princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica. Veda-se o emprego da analogia in malam partem e admite-se a invocação do estado de necessidade como excludente de ilicitude por exemplo.
Também se verifica na Nova Lei de Improbidade Administrativa nos termos do art. 12, § 7º uma expressa vedação ao bis in idem. Em que pese fazer referência às sanções aplicadas a pessoas jurídicas e à lei 12.846/13, sinaliza claramente que a dupla punição pelo mesmo fato é intolerável, algo que, aliás, encontra respaldo no § 3º do art. 22 da LINDB.
Para finalizar as primeiras impressões sobre os impactos que a Nova Lei de Improbidade Administrativa terá no direito administrativo sancionador, destaca-se a previsão contida no art. 17, § 6º, I. O legislador inseriu no regime jurídico da lei 8.429/92 a necessidade de individualização das condutas praticadas por cada um dos que figuram no polo passivo da ação, sob pena de inépcia da inicial e rejeição liminar da demanda nos termos do artigo 17, §6º-B.
É exatamente a imputação pormenorizada de fatos, acompanhados de documentos ou justificações que contenham indícios suficientes de autoria das práticas dos atos descritos nos artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429/92, que vão possibilitar o exercício pleno dialético de um contraditório efetivo.
Obviamente essas breves linhas não esgotam o tema aqui suscitado, todavia da análise já realizada, é possível concluir um redesenho profundo na condução das Ações de Improbidade Administrativa voltadas a contemplação de garantias tipicamente processuais penais e a responsabilização do agente público, agora para muito além da “má gestão”.