Barroso e Coelho Advocacia

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Usucapião extrajudicial: como utilizar esse instituto?

A posse de uma coisa, como um terreno ou até mesmo algum bem móvel, prolongada no tempo pode conduzir à aquisição da sua propriedade, se forem seguidos determinados requisitos estabelecidos em lei. Em termos concretos e jurídicos, esse modo de aquisição de direitos reais é um instituto denominado usucapião.[1]

Todavia, no caso específico de bens imóveis, o que muitos não sabem é que o procedimento para a usucapião não precisa ser via judicial, com a distribuição de uma ação, mas pode se dar diretamente em cartório. Esse procedimento, denominado usucapião extrajudicial, possui diversas vantagens, principalmente em relação à celeridade, sendo uma interessante alternativa para quem deseja regularizar sua situação fundiária – sejam pessoas físicas ou jurídicas.  

Isso porque a regularização imobiliária não apenas valoriza o imóvel, como também gera a tranquilidade e segurança de seus possuidores, que poderão exercer de forma ampla todos os poderes inerentes a propriedade.

A usucapião extrajudicial foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 1.071, e pelo artigo 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), além de ser posteriormente regulamentada pelo provimento n. 65 do Conselho Nacional de Justiça, o qual pormenoriza todos os seus métodos.

Ressalta-se que a usucapião extrajudicial não se trata de uma nova modalidade de usucapião, sendo apenas uma forma de se reconhecer a aquisição da propriedade, ou de outros direitos reais, com base em alguma espécie de usucapião já existente em nosso ordenamento jurídico[2]. Seguindo uma linha de desjudicialização cada vez mais presente, buscando dar rapidez e, consequentemente, efetividade ao procedimento, foi dada a faculdade ao cidadão entre a via judicial e extrajudicial[3].

Apesar de pouco divulgada, tendo em vista o ideário comum na sociedade brasileira de “cultura do litígio”, a usucapião extrajudicial é um poderoso instrumento. Teoricamente, ela abrange todos os tipos de usucapião, até mesmo a especial rural, uma vez que não há disposição legal sobre restrição em sua aplicação. Todavia, há divergências minoritárias na doutrina a respeito de tamanha abrangência, uma vez que alguns entendem que não seria possível instrumentalizar algumas modalidades de usucapião em âmbito extrajudicial pela difícil constatação dos requisitos especiais, eventual participação do Ministério Público, entre outros.

Em suma, seu desenrolar se inicia no Tabelionato de Notas, com a elaboração de uma ata notarial certificando a qualificação da posse. A partir de tal documento, conhecido como o “coração da usucapião extrajudicial”, e em conjunto com outros documentos necessários, inicia-se o trâmite no Registro de Imóveis, ficando o deferimento ou não do requerimento a cargo do registrador imobiliário[4], em função análoga a de um juiz.

 Por onde começar?

Em primeiro lugar, é preciso que haja a orientação de um advogado ou defensor público, sendo este um requisito obrigatório.

Depois, deve-se ir até o Tabelionato de Notas da circunscrição do imóvel para a elaboração da ata notarial, que é o documento mais importante da usucapião extrajudicial e, portanto, de elaboração obrigatória[5]. Esse procedimento é necessário pois o sistema exige um título e um modo, ou seja, que a situação seja instrumentalizada por um título (neste caso, a ata notarial) antes de ir para o Cartório de Registro de Imóveis propriamente.

A ata notarial reúne todas as descrições do imóvel, a partir das informações do Requerente e da postura ativa do notário, o qual visita o local, tirando fotografias e fazendo filmagens, visando testar a posse e suas características. Contudo, apenas a ata não é suficiente para adquirir a propriedade do imóvel.

Passa-se então, com a ata, para o Cartório de Registro de Imóveis do local do imóvel.

No Cartório de Registro de Imóveis

No Cartório de Registro de Imóveis, é necessário que se apresentem alguns documentos. Contudo, o seu rol não é taxativo – pode-se exigir mais ou menos documentos. Por exemplo, existem espécies de usucapião que não admitem que o requerente tenha outro imóvel em seu nome. Nesse caso, precisar-se-ia de uma certidão negativa de indicador pessoal perante os Cartórios de Registro de Imóvel da localidade do imóvel pleiteado.

De qualquer forma, é usual que seja requerido:

  1. Ata notarial (obrigatório);

  2. Procuração, pública ou particular, outorgada ao advogado, sem a necessidade de reconhecimento de firma[6] (obrigatório);

  3. Planta e memorial descritivo;

  4. Justo título ou quaisquer outros documentos que demostrem a posse, uma vez que a ata notarial é apenas um dos documentos da petição inicial;

  5. Certidões negativas da Justiça Estadual e Federal, já que todas as modalidades de usucapião exigem posse mansa e pacífica. Então, temos que provar isso via certidões;

  6. Certidão dos órgãos públicos que demonstrem a natureza urbana ou rural do imóvel.;

  7. Outros documentos.

Ponto Crucial – A Notificação

É necessário ressaltar que a Usucapião Extrajudicial só será deferida mediante anuência dos titulares dos direitos reais ou de outros direitos averbados perante a matrícula do imóvel.

Essa anuência poderá ser prestada de forma expressa, mediante assinatura dos proprietários de direito na planta e memorial descritivo que deverão instruir o requerimento extrajudicial.

Caso não haja anuência expressa, todas as pessoas envolvidas na questão são notificadas, como os confrontantes do imóvel e o Poder Público. O objetivo é possibilitar a contestação do pedido, discutindo eventual propriedade do imóvel. Em caso de impugnação, geralmente o procedimento extrajudicial é encerrado, remetendo-se ao rito judicial da usucapião[7].

É justamente no ponto da notificação a grande diferença de celeridade entre o procedimento judicial e o extrajudicial. Isso porque, até que todos os envolvidos sejam devidamente citados dentro de um processo judicial, anos podem se passar. Já no âmbito extra, a inércia dos notificados é entendida como anuência[8]. Se não há resposta sobre a notificação, publica-se edital e, depois, entende-se pela concordância tácita.

Contras

Como contras da usucapião extrajudicial, temos os custos relativamente altos[9] e o fato de que, se houver restrições administrativas ou gravames judiciais na matrícula do imóvel pleiteado, o fato deles não serem extintos pela usucapião extrajudicial[10]. Depois, há suspensão imediata do trâmite caso um processo judicial com o mesmo objeto entre em movimento, uma vez que ambos não podem se dar simultaneamente.

Considerações Finais

Por fim, conclui-se que a usucapião extrajudicial é uma forma de inovação da prática jurídica, a qual se aventura caminhos mais curtos do que o processo judicial, buscando respostas diferentes aos mesmos problemas.

E é nesse sentido que a usucapião extrajudicial caminha, defendendo que os notários e registradores devem muito mais solucionar problemas do que criar novos entraves, buscando alternativas aos obstáculos vigentes e almejando a efetivação de direitos sociais, com inegável destaque para o direito à moradia adequada. Esses profissionais devem sempre pautar a sua atuação no interesse público, e somente dessa forma é que demonstrarão a sua importância e imprescindibilidade perante a sociedade.


Notas

[1] VENOSA, Sílvio de Salvo – Direito Civil Reais, 17ª Edição, p. 220

[2] COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião extrajudicial. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 119.p. 115

[3] “Mesmo preenchidos os requisitos para a via extrajudicial, é uma faculdade do cidadão o ajuizamento da ação. Há que se reconhecer o interesse processual no ajuizamento de ação de usucapião independentemente de prévio pedido da via extrajudicial [...]”. Cf. BRASIL – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.824.133/RJ. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. j. 11 fev. 2020, Dje. 14 fev. 2020.

[4] FILHO, Oswaldo José Gonçalves de Mesquita e GAIO, Daniel. – A Usucapião Extrajudicial, Seus Riscos e A Participação no Poder Público; Artigo Dom Helder Revista de Direito, v.4, n. 9, p. 73 a 90, Julho/Dezembro de 2021.

[5] TJSP - Conselho da Magistratura. Apelação Cível 1002887-04.2018.8.26.0100. Dje. 22 abr. 2019; TJSP – 1ª Vara de Registros Públicos. Procedimento de dúvida 1004203-52.2018.8.26.0100. Dje. 19 mar. 2018

[6] Provimento no 121/CNJ

[7] Eventuais impugnações poderão ser dirimidas através de conciliação ou mediação a ser promovida pelo oficial registrador. Contudo, na impossibilidade de acordo, a impugnação obstará o reconhecimento da usucapião pela via extrajudicial, o que não impede que o processo seja remetido para as vias judicias.

[8] Art. 216-A, §13o da Lei no 6.015/1973, e art. 10 do Provimento no 65 do CNJ.

[9] Os custos da usucapião extrajudicial são: emolumentos, que são os valores pagos nas serventias extrajudiciais; honorários advocatícios, já que é obrigatória a assistência por advogado; e demais questões técnicas, como a elaboração de mapa da área e memorial descritivo.

[10] Art. 21 do Provimento no 65 do CNJ.