Prisão e cumprimento de pena antes do trânsito em julgado
/Ponderações sobre a execução provisória à luz da jurisprudência assentada pelos Tribunais Superiores
A execução da pena se entende como o efetivo cumprimento da condenação ou medida de segurança imposta ao réu em um processo penal. Tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou de decisão judicial proporcionando condições para a harmônica reintegração social do condenado ou do internado.
A fase de execução é aquela em que ocorre o efetivo cumprimento da decisão do juiz, caso esta tenha sido desfavorável ao agente. Em outras palavras, o Poder Judiciário irá exigir do réu obediência à ordem estabelecida, fiscalizando-o, a fim de garantir o cumprimento da pena privativa de liberdade, restritiva de direitos, ou, ainda, o pagamento da pena pecuniária.
Em quais hipóteses o juiz pode determinar expedição da guia de execução para que o réu inicie o cumprimento de pena?
É de se pensar que a fase de execução somente se iniciaria quando do caráter definitivo da pena ou da medida de segurança imposta. Em outras palavras, após o trânsito em julgado de sentença condenatória. Afinal, assim dispõe o inciso LVII do art. 5° da CF: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Nesse sentido, em 07/11/2019, foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43, 44 e 54[1]. Firmou-se a orientação de que a prisão, para fins de cumprimento de pena, somente é permitida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Ou seja, em regra, a expedição da guia de execução para dar início ao cumprimento da pena, somente é possível no momento em que uma decisão - sentença ou acordão - torna-se definitiva, não podendo mais ser objeto de recurso.
Entretanto, há uma ressalva! Na mesma ocasião do julgamento citado, o STF ressaltou a possibilidade da prisão antes do trânsito em julgado da sentença, quando presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Em outras palavras, a prisão pode ser mantida ou decretada para “garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.
Nesse caso, os Tribunais pátrios vêm admitindo a possibilidade de expedição da guia de execução provisória, ainda na sentença proferida pelo juiz de primeiro grau.
Mas veja, não basta apenas que o juiz determine a expedição da guia de execução sob a justificativa de que o réu já se encontra preso, ou, ainda, que manifeste pela sua decretação de forma genérica. É necessário que o magistrado, com base nas hipóteses elencadas no artigo 312, fundamente de forma concreta e individualizada a necessidade do acautelamento.
Veja, ainda, que o conceito de execução provisória da pena não se confunde com a prisão preventiva, a qual pode ser decretada em qualquer fase do processo. Entretanto, na hipótese de cabimento desta última, é possível ao magistrado, após a sentença e antes do trânsito em julgado, determinar a expedição da guia de execução provisória da pena.
Nesse caso, não se admitiria, por exemplo, que aquele indivíduo que respondeu todo o processo em liberdade fosse preso, unicamente, em virtude da prolação da sentença penal, sem trânsito em julgado, quando não verificado o risco de perigo gerado por seu estado de liberdade.
E quanto à execução provisória da pena no Tribunal do Júri?
O tribunal do júri é o órgão do poder judiciário que tem a competência para julgar os crimes dolosos, ou intencionais, contra a vida. Por ter um rito diferenciado de julgamento, foi estabelecido pela Constituição Federal, o postulado de soberania de seus vereditos, a significar que suas decisões não podem ser substituídas pelo pronunciamento de nenhum outro Tribunal.
Ocorre que com as inovações trazidas pela Lei n° 13.964/2019, que aperfeiçoa a legislação penal e processual penal, temos que a nova redação da alínea "e", inciso I do artigo 492 do CPP acabou por atingir a sentença condenatória proferida no Tribunal do Júri no tocante aos seus efeitos, bem como ao recurso manejado para a sua discussão.
Com a alteração, ao proferir a sentença condenatória, o magistrado: "Mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos".
A constitucionalidade do dispositivo passou a ser objeto de discussão da doutrina. Em que pese o postulado de soberania dos veredictos do júri, muitos sustentam que o dispositivo vai de encontro à decisão proferida no julgamento das ADCs n° 43, 44 e 45, bem como ao Princípio da Presunção da Inocência, previsto constitucionalmente.
Apesar de a temática pender de análise definitiva, em recente precedente, a Corte ratificou sua orientação no sentido de que “pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão”.[2]
[1] Acórdão 1269675, 00147318820178070016, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 6/8/2020, publicado no DJE: 17/8/2020.
[2] TJ. 5ª Turma. AgRg no HC 714.884-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/03/2022.