Transferência ex officio e direito de vaga de ensino
/O direito de transferência ex officio pode ser aplicado aos servidores estaduais e municipais?
Quando um servidor público é transferido para outra cidade por necessidade de serviço, existe o direito de que ele próprio e/ou seus familiares, como seu cônjuge e seus dependentes, também transfiram suas respectivas matrículas de ensino, sejam elas de qualquer nível, para a cidade para a qual está ocorrendo a transferência do servidor – independentemente da existência de vagas e em qualquer época do ano.
Esse direito, popularmente conhecido como “direito de vaga”, foi criado no artigo 49 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e está especificamente abarcado na Lei 9.536/97, a qual regulamenta esse tipo de transferência de ofício de servidores para outra cidade (“transferência ex officio”).
Todavia, o artigo 1º da Lei 9.536/97, num primeiro momento, restringe esse direito a servidores da esfera federal, sejam eles civis ou militares, o que causa muitas dúvidas na aplicação dessa norma. Veja-se:
Art. 1º - A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta. (Vide ADIN 3324-7)
Antes de qualquer conclusão precipitada do texto da lei em si, precisamos entender a interpretação desta norma não pode ser dissociada dos princípios da isonomia, da razoabilidade e da continuidade do serviço público. Além disso, o artigo 19, inciso III, da Constituição Federal veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Assim, caso esse direito abrangesse única e exclusivamente o servidor público federal civil ou militar estudante (ou seu dependente estudante) do jeito que está escrito na Lei, estaríamos diante de uma clara violação ao direito constitucional à educação (artigo 205 da Constituição Federal) e à preservação do núcleo familiar dos servidores de outros âmbitos da administração pública que não o federal.
Dessa forma, não é razoável que haja distinções entre servidores públicos pelo só fato de serem vinculados à esfera federal, excluindo-se os servidores estaduais e municipais. Ora, uma vez que todos os servidores podem ser transferidos ex officio, não faz sentido que apenas os federais tenham o direito de vaga ante uma situação idêntica.
Depois de muita discussão nos Tribunais, esse entendimento já foi consolidado tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto no Tribunal Regional Federal da 1ªRegião (TRF1), no sentido de que o benefício da transferência ex officio deverá contemplar os servidores de todas as esferas da federação.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região editou a Súmula nº 3, a qual dispõe que: “os direitos concedidos aos servidores públicos federais relativamente à transferência de uma para outra instituição de ensino, em razão de mudança de domicílio, são extensivos aos servidores dos estados, distrito federal, territórios e municípios” (DJ 30/10/91 - PÁG. 26.951 INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DEJURISPRUDÊNCIA NA AMS 90.01.00868-4/MG).
Por sua vez, a Advocacia-Geral da União, através da Procuradoria Federal, visando a impedir qualquer tipo de mal entendido a respeito desse entendimento e evitar arbitrariedades das instituições de ensino, editou o PARECER n. 00015/2021/CPIFES/DEPCONSU/PGF/AGU, também no sentido de extensão do direito de vaga a todos os tipos de servidores. Veja-se abaixo:
“Diante do exposto, conclui a Câmara Permanente de Assuntos de Interesse das Instituições Federais de Ensino Superior que a interpretação que encontra guarida na Constituição Federal a ser conferida ao dispositivo do art.49, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, regulamentado pela Lei nº 9.536/97 é aquele que abrange os servidores públicos federais, estaduais, municipais ou do Distrito Federal - civis ou militares - não havendo fundamento para o discrimine.”
Por fim, os exemplos de jurisprudência são inúmeros:
Administrativo e processual civil. Recurso especial. Transferência De estudante. Ensino superior. Servidor público estadual. Remoção ex officio. Possibilidade de transferência entre instituições de ensino congêneres. Critério obedecido. 1. Consoante a firme jurisprudência do STJ, o servidor municipal, estadual ou federal, aluno de instituição de ensino superior, que for transferido ex officio, tem assegurado o direito a matrícula, desde que congêneres as instituições de ensino, excetuando-se a regra em caso de inexistência de estabelecimento de ensino da mesma natureza no local da nova residência ou em suas imediações. 2. A compreensão firmada pelo Tribunal de origem não discrepa da jurisprudência do STJ, razão pela qual não merece reforma. 3. Agravo Interno não provido. STJ, 2ªT., REsp 1875056/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 09/12/2020.
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. REMOÇÃO EX OFFICIO. MATRÍCULA EM CURSO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA ENTRE CAMPI DA MESMA INSTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A teor da Lei 9.536/1997, a transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei 9.394/1996, será efetivada entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta. 2. O benefício da transferência obrigatória, nos casos de remoção do servidor no interesse da Administração Pública, estende-se aos servidores públicos estaduais e municipais. Precedentes. 3. No caso dos autos, o impetrante comprovou ser aluno do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão e pleiteia transferência entre campi da mesma instituição, atendido, assim, o requisito da congeneridade. Dessa forma, o estudante faz jus à transferência compulsória. 4. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.
Desse modo, já está consolidado e cristalino o entendimento de que o direito de vaga (transferência ex officio), conferido pelo artigo 1º da Lei 9.536/97 aos servidores federais civis ou militares estudantes ou seus dependentes estudantes, pode sim ser estendido aos outros servidores estaduais e municipais. Portanto, contra qualquer ato contrário a esse entendimento, são cabíveis as devidas providências legais, visto a sua ilegalidade.