Tráfico de medicamentos

Posso ser preso por vender remédios ou suplementos falsificados ou não autorizados pela Anvisa?

Em meados de 1998, após a disseminação midiática acerca do mercado paralelo de medicamentos falsos fabricados e comercializados no Brasil, o Poder Legislativo adotou uma política repressiva em relação aos crimes atinentes à comercialização de produtos terapêuticos ou medicinais falsificados, bem como àqueles sem aprovação e registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

Pautado em uma política coercitiva, ainda em 1998 os parlamentares editaram a Lei dos Remédios (Lei nº 9.677/1998), que alterou o Código Penal de forma a aumentar a pena do crime de falsificação ou adulteração de medicamentos, previsto no artigo 273, do Código Penal.

Tráfico de Medicamentos

Com a alteração promovida pela Lei dos Remédios, o delito passou a ser reconhecido como crime hediondo, com pena de reclusão de 10 (dez) a 15 (quinze) anos e multa. É de se destacar que a punição não está adstrita à falsificação, mas também adulteração ou alteração de produtos e matérias-primas destinadas a fins medicinais ou terapêuticos.

Além disso, a política repressiva tornou típica e punível também nos moldes do artigo 173, do Código Penal, outras condutas equiparadas, tais como a venda de produtos sem identificação de procedência, artigos em desacordo com a fórmula do registro, bem como a venda de produtos sem registro prévio na Anvisa.

A discussão sobre a constitucionalidade da Lei dos Remédios

Ao longo dos anos, muito se discutiu acerca da constitucionalidade da Lei dos remédios, sobretudo em contraposição com o tráfico de drogas, já que este tem a previsão de pena abstrata menor que aquele, ou seja, alega-se a falta de harmonia entre o delito e a pena, já que ambos tutelam a saúde pública.

Nesse sentido, no julgamento do HC 239363 PR[1] o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a desproporcionalidade da pena prevista no art. 273, do Código Penal, tese que foi confirmada pela Corte Especial do Tribunal de Justiça ao declarar a inconstitucionalidade do preceito secundário do dispositivo (que prevê a sanção aplicável).

Dessa forma, entendeu-se pela razoabilidade na escolha do preceito secundário da Lei de drogas (Lei 11.343/2006), ou seja, optou-se pela admissibilidade nos crimes que envolvem o mercado ilegal de medicamentos, a mesma pena aplicável no tráfico de entorpecentes. Afinal de contas, a Corte Especial observou a possibilidade em se fazer analogia entre os dois tipos penais, já que ambos tratam de crimes hediondos, de perigo abstrato e tem como bem jurídico tutelado a saúde pública.

Posto isso, apesar de declarada a inconstitucionalidade da pena em abstrato, a conduta descrita no art. 273 e parágrafos, do Código Penal, continua punível. Assim sendo, aquele que “falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, bem como importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado” pratica crime e está passível a responder penalmente pelo ato.

O impacto do comportamento atual

Nos dias atuais, com a demanda excessiva por produtividade, a busca pelo “corpo ideal”, bem como da manutenção de uma vida sexual ativa, é comum a venda ilegal de produtos psicoestimulantes, estimulantes sexuais, suplementos alimentares e principalmente, antidepressivos e opioides. Isto ocorre principalmente pelos preços inferiores e menor burocracia na compra.

Contudo, há de se ressaltar que, todas as condutas intrínsecas no mercado ilegal de medicamentos, desde a falsificação, importação ilegal até a venda de produtos não autorizados pela Anvisa, caracterizam o delito de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, cuja a pena prevista foi declarada inconstitucional. Mas, em todo caso, não tornou o fato impunível, ao passo que atualmente continua sendo penalmente repreensível com pena menor e equiparada.  


[1] STJ - HC: 239363 PR 2012/0076490-1, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 19/11/2012, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2012